Conto sem fadas

Era uma vez um ônibus que andava sacolejando, e uma garota sentada lá atrás com um livro aberto no colo. Era uma vez um sorriso capaz de iluminar um dia inteiro, sorriso que pertencia a um garoto de cabelos pretos.
Quando um dia livro e sorriso se encontraram no mesmo veículo, a dona do livro (dona não, era emprestado) se pôs a pensar.
Histórias cheias de guerras e príncipes, de nobres suseranos e vassalos fiéis, de dragões e armaduras e traições vis, de mortes honrosas porém doloridas. E nestes contos, uma donzela de vestes claras aguardando na torre seu salvador.
Histórias de campos verdes, de pastores e flores e cestos de palha, de casas de campo e vestidos rendados, sombrinhas para o passeio de barco. E nesta paisagem, uma jovem dama aguardando a carta de um cavalheiro de fraque.
Histórias de carros voadores, sistemas de inter-comunicação e leitores ópticos, computadores minúsculos e poluição exacerbada de anos vindouros. E neste cenário, uma jovem tentando redescobrir seu sentido humano através do amor de outro jovem.
Finalmente, num sacolejo do ônibus, a realidade. Um livro encantador, a mochila pesada, o ar úmido e os ruídos em volta - imperfeição rotineira. Levantou os olhos e se deparou com o ser que inspirava seus devaneios, o encantador de corações que abrilhantava suas histórias.
Ele se levantou de onde estava e caminhou tranquilamente para se pôr perto dela. Pousou em seu rosto os olhos escuros, leu sua alma e soube, assim como ela, que estavam destinados a ser (pelo menos) bons amigos. Divagou sobre autores, questionou novelas, fez brotar nela alegria nova e êxtase momentâneo - um momento esparso, fugidio, lampejo de final feliz.
Segurou as mãos dela e sorriu novamente, riu como se ali estivessem presentes todas as alegrias da vida.
Ela fechou o livro e observou a janela. Relanceou o olhar sobre ele uma vez mais, dissipando a  possibilidade deste desfecho (quase) possível.

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