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Mostrando postagens de janeiro, 2013

Esperança

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Ela percorreu o corredor se sentindo, como sempre, sozinha. Um pai que lhe fora negado durante tantos anos, uma pilha enorme de mentiras, de mágoas acumuladas e doloridas... Sempre esperou por isso, mas e se, por ironia, ele não fosse nada daquilo? Nada de sonho, nada de bom, nada daquela ilusão? E se aquele pai perdido também não tivesse nada de... Seu? Seria mais um lugar para não pertencer? Mais um rosto pra tentar esquecer? Abriu a porta. O homem de costas devia ter quarenta anos. Olhando a paisagem da janela, parecia tão normal quanto alguém pode ser. Ela andou devagar até estar a uma distância da qual seria ouvida - apesar de não saber bem o que dizer. _Ahn, você...  Pai? Ele se virou e seus olhos brilharam como estrelas. Ele sorriu fracamente. _Ana... Filha? Ele correu até ela e a abraçou como se sua vida dependesse disso.  _Filha, minha garotinha, eu esperei... Eu queria tanto, você... Ah, meu bem, você nunca mais vai sair de perto desse seu velho pai! Ela sor

Banalidades

Olá, como vai? Sim, vou bem, estou aproveitando as férias, estou animada pro início das aulas, sim, também acho que esse ano vai ser diferente. É, realmente, não custa nada ser mais gentil, acredito que você vai fazer todas as tarefas, é, concordo que esse ano finalmente fulano para de conversa. Acho que não, pois é, está calor mesmo, é, realmente, esse governo. Tudo culpa da poluição, eu sei, pois é e essas chuvas. Você mudou de casa, mesmo? Sim, vou visitar, com certeza, qualquer hora eu apareço pra tomar um café, nossa, seu cabelo tá lindo, você cortou? Tá, tudo certo com a família, sim, meu pai voltou, e a sua mãe, como estão todos por lá? Você viajou? Ah, eu sim, pois é, fui pra São Paulo, ora, o tempo lá estava como o daqui mesmo, sim, muito trânsito, mas você sabe, é assim mesmo. Passou o ano novo onde? Sério, eu também, sim eu vi, e a queima de fogos? Lindo, lindo, também achei, mas no outro ano eles foram mais criativos não é mesmo, é, com certeza. Seu aniversário? Quant

Liberdade

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Observei as rodas correndo sobre o asfalto com a sensação de um pássaro recém-liberto. Quando o sol surgiu, sorri como se nunca tivesse visto nada daquilo. Eram as mesmas montanhas, a mesma estrada, o mesmo caminho, eram até carros semelhantes aos de sempre. Mas eu estava sozinha, e então tudo foi outra coisa. Viajar sempre foi uma palavra sublinhada no meu dicionário. Conhecer novas cidades, outras esquinas, ou apenas mudar de ares e de rumo. Andar de ônibus, de trem, de avião ou a pé... Tanto faz. Em qualquer tempo, uma viagem nos enche de roupas, de modos, de malas e bugigangas. E ao mesmo tempo, em mim, organiza a bagunça interna - as roupas sujas, tristezas, o orgulho, as mágoas. Tudo isso vai embora cada vez que arrumo a mala. Hoje, mais uma vez, descobri o poder que tem essa abençoada locomoção que para mim é até sagrada: O ato de viajar, entrar aqui e sair lá. A vontade de mudar, e a liberdade de ser capaz. Para curar as feridas que eu guardo ardendo no peito, algu

No seu castelo

Era uma vez uma princesa, doce e bela como se espera que as princesas sejam. Não importa que por dentro, ela às vezes fosse amarga. Não importa que ela quase nunca chorasse.  Era uma princesa. E essa princesa um dia mudou as próprias regras. Trilhou caminhos  desconhecidos, que ela julgou serem bons... Se aventurou fora das guarnecidas barreiras do castelo - muralhas centenárias de pedra e hera, que continham os julgamentos de todos os reis, rainhas e príncipes antes dela. Porque princesas não julgam. Quando voltou pra casa, descobriram sua aventura. Pobre princesa! A trancaram na torre mais alta, no canto mais lúgubre, na parte mais fria e escura existente.  Ali, sozinha, ela quis chorar. E em algum lugar ao longe um camponês que ela havia cativado chorou junto, um choro comprido enroscado no peito, de onde afluia um rio, lágrima a lágrima. Passaram-se luas. Dias, semanas, o vento mudou, as flores cresceram... E ela, trancada, esperava que alguém perdoasse não sabi

Dia de Glória

Depois de tantos cinzentos quadrados no calendário, o ano muda e enfim trocarei a folha. Os fogos vieram, se foram, mas eu mesma não comemorei. O coração empedernido desacreditando das promessas, dos sussurros à meia noite, da alegria regada à champanhe... E eis que surgem, no primeiro dia desse ano tão desprezado (ou um pouco mais além, pelo que diz o relógio), duas alegrias pelas quais eu vinha esperando desde 2012 passado. A alegria do reencontro, a ressonância mental das conversas, dos sorrisos que eu há algum tempo não me permitia usar; tudo isso belo e dourado na celebração que não fiz. Só posso, a esta hora, supor que o velho Tempo me prega peças. Mas de maneira tão sutil, e tão singela, que sou obrigada a acreditar nesse bebê-ano que engatinha alegre. Quem sabe, Tempo, quem sabe esse teu filho me traga a tal paz... O senhor sabe o que faz. Feliz ano a todos!