No seu castelo

Era uma vez uma princesa, doce e bela como se espera que as princesas sejam.

Não importa que por dentro, ela às vezes fosse amarga. Não importa que ela quase nunca chorasse. 
Era uma princesa.
E essa princesa um dia mudou as próprias regras. Trilhou caminhos  desconhecidos, que ela julgou serem bons...
Se aventurou fora das guarnecidas barreiras do castelo - muralhas centenárias de pedra e hera, que continham os julgamentos de todos os reis, rainhas e príncipes antes dela. Porque princesas não julgam.
Quando voltou pra casa, descobriram sua aventura. Pobre princesa! A trancaram na torre mais alta, no canto mais lúgubre, na parte mais fria e escura existente. 
Ali, sozinha, ela quis chorar.
E em algum lugar ao longe um camponês que ela havia cativado chorou junto, um choro comprido enroscado no peito, de onde afluia um rio, lágrima a lágrima.
Passaram-se luas. Dias, semanas, o vento mudou, as flores cresceram... E ela, trancada, esperava que alguém perdoasse não sabia qual erro, não sabia qual crime.
Enquanto isso, um camponês se armava. Forjou um elmo, costurou uma cota, poliu uma lança e montou, confiante. Cavalgou algumas milhas. Desmontou alegre, mas...
Ao ver a torre, desanimou-se. Eram metros e metros de pedra fria, úmida e gasta, mais alta do que tudo o que ele algum dia viu. Percebeu logo sua ilusão: Não poderia subir, tampouco lutar.
Então despiu-se do elmo, abandonou a lança, prendeu seu cavalo e seguiu. Humilde e servil, sem fazer alarde, pediu no castelo emprego e foi recebido.
Um belo dia o mandaram levar as refeições da princesa.
Se viram, se olharam, e nos olhos um do outro leram erros e sofrimentos cúmplices. Leram humilhações, torturas, leram prantos e agonias...
Ali, leram destinos. 
Nem tudo pode ser consertado. Ele deixou os pratos e se foi. Ela comeu e sorriu.
Entretanto, algo ali mudou. No coração dela, uma pequena chama se acendeu. Quem sabe?
Em seus olhos, retornara a força que a faria, algum dia, pular aqueles muros e trilhar outra vez seu caminho - desta vez, sem volta.
O camponês ficou pensando. Não poderia salvá-la - ninguém poderia. Mas colheu flores, que seriam dela. Como consolo, quis dizer à princesa:

  "Ninguém nunca me impedirá de vê-la, no seu castelo."

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