Uma história de chuva

Chove em Dilijan. Nossa protagonista está molhada. Lá fora, cinza como se fim de tarde, ainda que meio de dia. O verde exuberante, como se torna apenas quando a água toca a paleta de aquarelas. A terra escura, profunda e maleável, tornando-se lama, tornando-se barro, tornando-se vida primordial do ser humano. Nas pedras, matéria prima dos edifícios, matéria prima do chão e dos caminhos que levam de um lugar a outro, a chuva se infiltra nas quebras entre os fios e se perde nas profundezas da terra. Pedregulhos molhados são chutados pelo caminho, e encharcada a ponta dos sapatos, a cada vez que se levanta para um passo, joga um pouco de água no caminho logo à frente. É bonito, o mundo lá fora: cheio de chuva, cheio de vida. E embora a chuva seja tão fria, nossa protagonista caminha apenas com seu lenço azul - azul brilhante, como se torna apenas quando tocado pela água - enrolado na cabeça, cobrindo pescoço e ombros. Leva também um casaco preto, grosso, feito de lã; um casaco de inverno, embora ainda não seja inverno, tecnicamente é outono - as ervas já parecem se vestir para uma festa temática de cor laranja, e logo mais perderão suas folhas, para o triste repouso do inverno. Por ora não, e nossa protagonista caminha, um vulto preto com sapatos cor de cinza, encharcados nas pontas, passando por um caminho de pedra cercada por grama inegavelmente verde, e tendo por detrás árvores cor de laranja, vermelho, alaranjado. Ela anda na chuva sem guarda-chuva de uma maneira que nunca faria em casa, de uma maneira que nunca faria no país de onde ela vem. País esse no qual chuvas são eventos raros, eventos a serem celebrados, ou eventos a serem temidos. País no qual umidade não é necessariamente parte do dia a dia, mas país abundante em água. País onde uma chuva dessas seria considerada inverno fora de época. Mas aqui, não. Ela aprendeu a ser mais responsável e a ser mais corajosa com a chuva daqui. Depois de tanto tempo ter jogados sobre sua cabeça água, gelo, flocos de neve, ela aprende que não há nada muito sério que um pouco de água, em qualquer de seus estados físicos, possa fazer com um ser humano (quando em não grande quantidade). Ela aprendeu que um echarpe sobre a cabeça protege quase a mesma coisa que uma capa plástica ou um guarda chuva. Aprendeu a ser simples, uma simplicidade que antes não conhecia, uma simplicidade que não exige preparação - sobretudo adaptação. Sai com a roupa de frio, se começa a chover, o echarpe vira touca.
Chove lá fora. Estamos em Dilijan, e nossa protagonista não está mais molhada. Ela adentrou o quarto, retirou o casaco pesado de lã, pendurou-o na porta. O echarpe com que cobria a cabeça, azul - do jeito que só se faz quando a água toca a paleta de aquarelas - o echarpe azul está pendurado sobre o guarda-roupa, as meias retirou, os sapatos permanecem fora do quarto. Nossa protagonista agora deita sob suas cobertas, e observa da cama branca com linho verde o mundo lá fora, em sua esplendorosa paleta de cinzas, verdes, pretos, marrons.

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